Thursday, May 01, 2008

Mendigos S.A.



Um dia desses, qual, na verdade, não importa, eu estava no ônibus indo para algum lugar, lugar este que também não tem importância alguma para a história. Como eu ia dizendo antes de me interromper, eu estava no ônibus e entrou, passando por baixo da roleta, um daqueles garotos que vendem bala. Jujubas, pra ser mais exato, e ele começou com aquele discurso bem ensaiado que fazem todos os garotos. Toma fôlego e fala com a vozinha empostada: "Pessoal, eu tou aqui porque tenho doze irmãos em casa, minha mãe não pode trabalhar porque está doente, pessoal. Meu pai morreu e, por isso, tou vendendo essas balinha aqui, baratinho, pessoal. Cada uma por cinquenta centavo, três por um real, pessoal. Por favor, pessoal, eu preciso ajudar a minha família. Quem não quiser comprar, qualquer ajudinha serve também. Aceito vale e tickets também. Brigado, pessoal...", ou algo parecido com isso e foi passando distribuindo as jujubas, depois voltava recolhendo.
"Ah, que história tocante... Mas e daí?", vocês devem estar se perguntando. Bem, acho que todo mundo já viu esse tipo de coisa acontecendo, mas e se eu dissesse que antes do garoto entrou um cara pedindo dinheiro? E se eu dissesse que depois do garoto ainda vieram duas crianças vendendo pipoca Bokus, carregando um saco delas enorme nas costas? E se eu dissesse que eu fiquei menos de dez minutos no ônibus? Pois é, então considerem isso tudo dito.
Puxa, esse negócio de pedir dinheiro tá virando uma espécie de emprego. Deve haver uma cooperativa, um consórcio, sei lá. Há um chefão, claro, que define os percursos mais feitos, que escreve os discursos, que está por trás das contratações e todo o resto. Claro que é um negócio clandestino, e por isso mesmo deve ser bem lucrativo, não paga impostos e nem precisa subornar ninguém. Será que ninguém ninguém ainda notou que os discursos são praticamente iguais, desde os motivos até a forma como eles falam? Eu ouvi umas três crianças dizendo "pessoal" naquele dia, e parecia até que os garotos haviam sido treinados pra falarem daquele jeito.
Existem várias formas de pedintes. Os que oferecem algo e os que apenas lamentam a vida. Tem aquele cara que está em todos os lugares, de igrejas a shoppings, segurando um papel - diz ele ser uma receita médica -, falando da filha que está com câncer, tétano, aids, hepatite do alfabeto todo e esquizofrenia aguda. Tem as loucas, que ficam babando nas pessoas e empurrando até que o indivíduo incomodado lhe dê dinheiro. Tem as famílias unidas, que vão de casa em casa com o rosto queimado de sol e aceitam "qualquer coisinha que o sinhô puder dá...". Os que vendem normalmente vêm com um discurso preparado. Para eles é uma questão mais profissional, e o tom de voz é quase impessoal. O outrora costumeiro "Deus lhe pague" virou só um "hum!", que você não sabe se é agradecimento ou desdenho. Isso não quer dizer que eles não queiram expor sua vida pessoal a você, esfregá-la na sua cara como se fosse culpa sua e fazê-lo se sentir culpado pela vida desgraçada deles. E por último há aquele que não vende nada, mas também não conta uma história de vida triste e melodramática. O primeiro desses seres lendários que não achavam humilhante pedir dinheiro, pois essa era sua vocação, criou o discurso tão famoso: "Eu podia tá roubando, podia tá matando, podia tá estrupando sua filha, mas não, eu tô aqui pedindo uma ajudinha. Qualquer coisa serve. Aqueles que não puderem ou não tiverem, obrigado pela atenção. Tenham uma boa viagem."
Bem, a isso se resume uma grande parte do fantástico mundo dos mendigos. Sempre achei interessante a forma como eles se organizam, e acho que daí poderia brotar um belo trabalho antropológico, ou não. Para terminar, gostaria de dar uma dica para vocês, por experiência própria: nunca - eu disse NUNCA! - discuta com uma pessoa dessas no ônibus. Senão entra na briga o cobrador, o motorista, aquela senhora bem severa, que adora falar com o cobrador como se ele fosse um sobrinho e trata todo mundo como neto, enfim, quase todas as pessoas que consideram um ônibus seu segundo lar.

2 comments:

Juh said...

Eu odeio brigas em onibus... pior foi quando o motorista ficou bringando com o carinha da estaçao de transferencia. O motivo eu nao lembro, so sei que eu odiei.. sentada na frente e aqueles dois caras gritando. Ate um cara no onibus botar moral "chega motorista, vamo embora, vamo, vamo" e pronto.
Realmente esses mendigos enchem o saco. E não achei que vc pegou pesdo nao, e isso mermo. Se nao tem dinheiro vai pro colegio que Lula dá o bolsa escola.

Sim, tambem nao gosto de UM cara q vende bala de gengibre. Ele joga o saquinho de bala no nosso colo. Hoje ele fez isso. A pessoa vai descer na parada seguinte é uma merda. Como sempre, pede p pessoa do lado, "Cê entrega pro carinha por favor." seria bom que eu levasse embora as balinhas pq ele nao oferece primeiro e depois passa na cadeira?! Saco!

Kinha said...

mendigagem no brasil eh crime, eh soh vc abrir um processo e querer q o cara seja preso... talvez vc morra qdo ele sair, ou ñ, qm vai saber??
as pessoas morrem o tempo todo. A gordura no sangue ta foda...
Mas acho uma falta de vergonha...
tpo... vc passa a vida toda escutando seu pai falar: "minha vida nunca foi facil, mas eu lutei, estudei apesar de todas as dificudades, as vezes sem comer ou ver a familia, e hoje eu to aqui com uma casa e dois filhos bem alimentados", ai vc escuta alguem falar: "ajuda ai pessoal", quando por tras ele diz: "n to afim de lutar q nem seu pai e muitos outros fizeram, acho mais facil estar aqui pidindo, n q eu goste, mas vcs me dao dinheiro, entao eu volto"...

eh foda... =/

e no fim a culpa eh da precariedade da escola publica de ensino fundamental do brasil...
foda...
foda...

=/

\o